ESGOTADO

Sertões adentro – viagens nas Caatingas, séculos XVI a XIX

R$150,00

ESGOTADO

Descrição

É dos sertões e do conhecimento científico produzido sobre eles que trata este livro, Sertões adentro, organizado por Lorelai Kury. Temporalmente compreendido entre os séculos XVI e XIX e privilegiando os difusos limites sertanejos, nós, os seus leitores, somos apresentados a personagens que, de diferentes maneiras e referenciais, exerceram atividades que gradualmente puderam ser identificadas como atividades científicas sertões adentro. O esforço de pesquisa realizado pelos autores torna possível a associação entre textos bem elaborados e ilustrações riquíssimas sobre, e de, uma vasta produção temporal e espacialmente ampla.

Cronistas, religiosos, viajantes, naturalistas, médicos, bacharéis, botânicos, zoólogos, geólogos, dentre outros, produziram textos, gravuras, desenhos, pinturas e mapas que integraram manuscritos ou impressos, relatórios e livros, revistas e jornais. Coletaram espécies dos reinos mineral, vegetal e animal que vendidas, doadas, presenteadas ou trocadas, passaram a fazer parte de coleções particulares e públicas, integraram jardins de estudos ou exibição, gabinetes de curiosidades, museus, laboratórios, universidades etc. Enfim, produziram conhecimento sobre os sertões, ou sobre aspectos destes, que circularam inicialmente como parte do Novo Mundo que se dava a conhecer aos conquistadores europeus e posteriormente serviram para torná-los menos ignoto aos olhos de um Brasil central como o planalto de onde se inicia a aventura euclidiana em Os sertões.

Se nos dias atuais o termo sertão nos parece portador de uma imensa dificuldade de definição, o capítulo que abre o livro, “A polissemia dos sertões”, Erivaldo Fagundes Neves mostra como ele foi originalmente utilizado por Caminha para representar simplesmente do interior da terra à qual aportara e aponta a trajetória que levou a que fosse construído historicamente e com maior intensidade em relação ao Nordeste ou ao semiárido. Neves visita a historiografia sobre o sertão, cita a primeira incursão feita pelos colonizadores em 1555 e destaca que a conquista e ocupação deste espaço teve início na segunda metade do século XVII e “somente se completariam na transição para o século XIX, após a derrota dos botocudos e de outros povos que habitavam o território intermediário dos Rios Doce e de Contas”. As atividades de mineração e pecuária criaram as condições de circulação pelos sertões com estabelecimento de vias de comunicação que interligaram todas as regiões e possibilitou o povoamento dos sertões baianos, ainda que por muito tempo rarefeito e itinerante.

Os primeiros autores das descrições da natureza brasileira nem sempre transitaram pelos espaços interiores movidos por razões de cunho científico, ainda quando tivessem formação neste campo. Poderiam ser proprietários ou funcionários do reino português, missionários de ordens religiosas ou integrantes de expedições de guerra, busca de metais e aprisionamento de indígenas. É do que foi produzido por estes personagens durante os séculos XVI e XVII que Heloisa Meireles Gesteira vai se utilizar em “Animais e plantas do sertão do São Francisco nas representações do Brasil”. Produzidos em período anterior ao domínio da classificação lineana, estes relatos mesclavam informações coletadas junto aos primeiros habitantes das terras brasílicas com o que de semelhantes pudesse existir na Europa bem como as indicações de utilidade que pudessem ter para vida do homem. A presença de desenhos complementares às informações não eram comuns nestes relatos, excetuando-se os que foram produzidos durante o período holandês ou os de autoria de Frei Christovão de Lisboa, que não foram publicados à época. Heloisa discute a contribuição das viagens realizadas pelos sertões para os usos de produtos da natureza mostrando como muitos deles foram incorporados como produtos medicinais, vindo a compor as boticas dos jesuítas e destaca, para exemplificar, a fama obtida pelo jaborandi, cuja utilização pelas suas virtudes medicinais pelos colonos remonta ao século XVI e ainda hoje mantém a sua importância na elaboração de remédios.

A segunda metade do século XVIII em Portugal foi marcada pelas chamadas reformas pombalinas, implantadas durante o reinado de D. José I pelo ministro Sebastião José   de Carvalho e Mello, o Marques de Pombal, entre 1750 e 1777, visando melhorar a administração do império, aumentar as rendas, totalmente dependentes das colônias ultramarinas e superar a distância que o afastava de outros países europeus na produção de conhecimento. As repercussões destas reformas ultrapassaram o período de permanência do Marques no ministério e orientaram fortemente a prática científica no Brasil. Os jardins botânicos, museus, laboratórios e universidade em Portugal foram abastecidos por espécimes zoológicos, botânicos e mineralógicos, a Academia de Ciência de Lisboa elaborou um manual para orientar as remessas e estudantes foram preparados no campo da História Natural na Universidade de Coimbra ou em outras instituições europeias, a exemplo dos luso-brasileiros Alexandre Rodrigues Ferreira, José Bonifácio e Baltasar da Silva Lisboa, e uma grande expedição científica ao Brasil, a Viagem Filosófica, foi organizada pelo ministro Martinho de Mello e Castro e o naturalista italiano Domenico Vandelli. Dois capítulos de Sertão adentro se dedicam a este contexto do iluminismo português apresentando elementos importantes para se compreender os seus efeitos sobre o conhecimento do interior do Brasil.

Em “O conhecimento científico da caatinga, no século XVIII”, Magnus Roberto de Mello Pereira lida com as novas orientações das “luzes” portuguesas e com os seus operadores nos nossos sertões. Veremos funcionários ilustrados portugueses uns, luso-brasileiros outros, nas então províncias da Bahia, Ceará, Maranhão, Pernambuco e Piauí, praticando, com maior ou menor sucesso a ciência lineana, – algumas vezes até divergindo ou complementando algumas das descrições do próprio Lineu com a “autoridade” de quem “vê” em contraposição ao descrito a partir do visto por outro – atendendo às orientações de desenvolvimento de atividades de interesse imediato de uma nação envolvida em esforço de guerra mas não se resumindo e elas e produzido conhecimento sobre as caatingas que se tornaram referências importantes para os naturalistas e cientistas dos séculos seguintes. Pereira também traz informações sobre como se processavam as operações entre os saberes locais e o saber científico, mostrando como uma etno-geografia, uma etno-botânica ou uma etno-medicina, se apresentavam agora como geografia, botânica e medicina.

A contribuição de um ilustrado luso-brasileiro para o conhecimento da região onde nascera é o objeto do capítulo “Manuel Arruda da Câmara: a República das Letras nos sertões”, de autoria de Lorelai Brilhante Kury. Nascido provavelmente na jurisdição da Vila de Pombal, a época pertencente à comarca da Paraíba de Pernambuco, onde a sua família era proprietária de terras, obteve a sua formação de naturalista em Coimbra e Montpellier, como preconizava o pensamento iluminista português e retornou ao Brasil. Lorelai Kury nos mostra um naturalista com forte interesse nos estudos dos vegetais, porém com conhecimentos que o capacitavam para estudos dos outros reinos naturais, o que justifica o seu atendimento à solicitação de D. Rodrigo de Souza Coutinho, Conde de Linhares, para realizar a busca de salitre e outros minérios na província de Pernambuco. Não particularmente hábil como desenhista, Arruda Câmara contou com a colaboração de João Ribeiro Pessoa de Melo Montenegro, professor de desenho, para a reprodução precisa das espécies tropicais por ele estudadas.   A autora destaca o fato de grande parte dos manuscritos da Arruda Câmara estarem perdidos ou destruídos, mas o que chegou aos dias atuais permite compreender como ele “perpetuou no mundo da imprensa a sua vivência sertões adentro”.

Ingleses, franceses, alemães, austríacos, suíços, escoceses, austríacos, etc. participaram de expedições científicas que percorreram o Brasil durante o século XIX. O conhecimento das regiões brasileiras continuava se dando de forma desigual e uma das razões sem dúvida era a dificuldade de acesso às caatingas. Muitos continuavam a evitá-las, bordejando-as e descrevendo espécies comuns às suas áreas limítrofes. Ao se aventuraram nos períodos mais afetados pelas secas, quando “a travessia das veredas sertanejas é mais exaustiva que a de uma estepe nua”, certamente assustados, poucos foram os que retornaram após a chuva para constatarem, pasmos, que não se vê mais o deserto e sim a exuberância extrema. “Sobre o solo que as Amarílis atapetam, ressurge triunfalmente a flora tropical. É uma mutação de apoteose”. “Naturalistas europeus nas caatingas”, escrito por Lorelai Brilhante Kury e Magali Romero Sá trata desses homens que viram e foram vistos com estranheza nas suas excursões sertões adentro. Vivendo num contexto europeu de valorização da história natural, com a ampliação de circulação de livros e revistas ilustradas, “as coleções reunidas pelos viajantes no Brasil acabaram desmembradas e espalhadas por vários países” (p.),  porém “os sertões não deixaram de figurar nos herbários, coleções e publicações internacionais, embora muitas vezes a origem geográfica seja um dado secundário e genérico” (p.).

Magali Romero Sá e Lorelai Kury são também as autoras do capítulo intitulado “As caatingas e o Império do Brasil”, e nele se percebe que conhecer o interior também era uma necessidade para a construção da nação recém-independente, e profissionais, já brasileiros ou ainda estrangeiros, foram encarregados desta tarefa e os produtos destas atividades vão compor os acervos de instituições como o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e o  Museu Imperial (atual Museu Nacional) ou serão publicados em livros, periódicos ou jornais. Os que transitaram por espaços do sertão coletaram espécies da flora, fauna e minerais, descreveram aspectos antropológicos e intentaram diferentes propostas para o enfrentamento do grande flagelo das secas, como a construção de açudes e barragens públicas. A perenização de rios nordestinos através da utilização das águas do rio São Francisco está presente no relatório de 1878 da Comissão criada pelo Governo Imperial estudar e propor soluções para a seca no Ceará. Magali Sá e Lorelai Kury lembram que “em algumas décadas, os sertões passaram de lugar perdido, capaz de esconder importantes vestígios de uma civilização extinta, a uma região que abrigava uma futura prosperidade para quem soubesse administrar os seus recursos” (p. ). Estavam em curso os ideais de progresso que compuseram o cientificismo, instalado na produção cultural brasileira da segunda metade do século XIX, numa sociedade que veria extinto o seu Império antes que chegasse o final do século.

Durante a narrativa da Guerra de Canudos, em Os sertões, Euclides da Cunha recorreu a representações imagéticas quando precisou superar as limitações do seu instrumental cientificista. Uma delas fala das caatingas que “trançam-se, impenetráveis ante o forasteiro, mas abrem-se em trilhas multívias, para o matuto que ali nasceu e cresceu”. Euclides estava se referindo ao conhecimento, para lidar com as dificuldades, adquirido pelo habitante do sertão após séculos de “insulamento”. A leitura de Sertões adentro contribui para a superação  de uma espécie de “insulamento” sobre a atividade científica desenvolvida entre o século XVI e o século XIX na caatinga, no semiárido, no nordeste ou, enfim, no sertão brasileiro.

Observação:
Este livro foi realizado com incentivos fiscais da lei Rouanet.
Idosos acima de 65 anos podem comprar exemplares com 20% de desconto sobre o preço de capa em aquisições realizadas na própria Editora exclusivamente. Esta promoção não é válida nas livrarias e demais pontos de venda. É imprescindível a apresentação de documento que comprove a idade.

José Carlos Barreto de Santana

Informação adicional

Autor

Lorelai Brilhante Kury et al.

Apoios

Patrocínio: Banco BBM

Formato

28 x 30 cm

ISBN

9788588742543

Avaliações

Não há avaliações ainda.

Seja o primeiro a avaliar “Sertões adentro – viagens nas Caatingas, séculos XVI a XIX”

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *